sábado, 18 de maio de 2013

"Quando você resolve tratar, cuidar de uma pessoa, já tomou partido dela, ou seja, daquilo que você acha que seja sua saúde. Não existe neutralidade nem distanciamento, o que existe é discrição, silêncio, um silêncio que significa consentimento. Consentimento com a existência da pessoa, e isso é uma posição de amorA pessoa adoece por carência de verdadeiras relações pessoais. Se você lhe der impessoalidade e neutralidade, dará exatamente aquilo que causou a doença. A tarefa da psicanálise é a da  construção de um encontro, e não há encontro, que seja impessoal; impessoal é o desencontro." 

Hélio Pelegrino, Psicanalista. 

sábado, 4 de agosto de 2012

Presentificar

Estarmos presentes no presente. Nossa mente cheia de pensamentos desgovernados dificulta nossa presença mais aterrada no mundo. Como fazer do mundo, um mundo melhor, se não estivermos atentos/as? Só atenção não é suficiente. Há toda uma interioridade que pode estar perturbada de forma crônica, fruto de um tempo longo de adversidades, privações, vazios, desamparo, dores experimentadas sem elaboração.
A vida não é uma festa. Não é doce, nem suave. Há sofrimentos psíquicos, sociais, familiares. O processamento, as condições favoráveis ou não para o seu enfrentamento variam para as pessoas em seus mais diversos contextos. Nossa contribuição para tornarmos o mundo, um mundo melhor, esbarra no obstáculo, nó contemporâneo: individualidades incensadas de forma excessiva. Parece que se cuidarmos do nosso EU, tudo estará resolvido.  E o NÓS?
O chamamento da imagem acima é imperativo. Melhoremos o mundo agora. Não esqueçamos que somos parte dele. Olhemos para dentro de nós cada vez mais, mas não nos percamos no nosso infinito particular. As relações intersubjetivas são absolutamente fundamentais. Intercambiamos e nos enriquecemos. Nem sempre, é verdade. Às vezes os contatos sociais nos cansam, desafiam, rivalizam, mordem, rechaçam, desprezam. Mas nos oferecem a dimensão dos contrastes: o escuro, o duro, o amargo, o difícil. Vida é prosa e poesia. .
E a psicoterapia onde entra nessa relação do presente, do chamamento para a participação engajada na construção de um mundo melhor?

Psicoterapia psicocorporal


A abordagem psicossomática reichiana coloca o paciente em contato com as suas sensações corporais. Um dos aspectos centrais desta forma de psicoterapia é favorecer a expressão e o contato com as emoções. Vivemos dentro de um corpo biológico que sente. Temos uma respiração que se altera com as mudanças emocionais. Se não prestarmos atenção ao que nosso corpo exprime: batidas do coração, respiração encurtada, fala acelerada, tons baixos da voz, hesitações na fala, no ritmo, mãos frias, gestual, dificuldade de olhar nos olhos, como poderemos nos apossar de nosso comportamento? Observamos o que pensamos? Nossa mente e nossa consciência se interrelacionam. O tempo apressado da nossa era, as tecnologias disponíveis, as agendas cheias são elementos que contribuem para o nosso automatismo? Cuidado: a nossa alma tem epiderme. E as dos demais humanos também. Vamos sentir. Reconhecer nossa respiração. Fazer uma conexão com a qualidade dos nossos pensamentos.
E se estivermos confusos demais, sem condições de fazermos intervalos e nos atropelando  é possível que estejamos desrespeitando nossos ritmos corporais. Somos complexos e atravessados por muitas influências: cultural, social, profissional, religiosa. Nosso corpo é uma unidade em contato com o ambiente. Caminhamos numa corda bamba que revela nossa tentativa de equilíbrio constante. Nós, nossa individualidade e nossa relação com o mundo que nos rodeia.
Somos um corpo biológico atravessado pelo cultural. A abordagem reichiana aposta na relação da díade, paciente e terapeuta, como plataforma para o resgate da posse do corpo biológico. Nominar o que se sente é um passo importante para articular o que se percebe. Como sei se estou feliz ou triste? Como reconheço que o meu peito dói porque me aborreci? Quando falo de situações dolorosas e sinto vontade de chorar entendo o que está acontecendo comigo? Inúmeras situações vividas, muitas vezes se encontram repletas de uma falta de intimidade consigo próprio. Se não me compreendo suficientemente como posso me administrar?
 A psicoterapia pode nos aproximar de nossas questões centrais e um caminho pode ser escutar o corpo, seus sons, vibrações, tensões, dores e também o incremento de prazer que nos proporciona. Sem esta escuta fina e sem compreensão da nossa interioridade, que inclui pensamentos e sentimentos, nos violentamos, nos intoxicamos, negligenciamos nossa saúde global. Vamos continuar permitindo que isto aconteça?

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Psicologia Feminista e o filme Anjos Rebeldes


O filme Anjos Rebeldes conta a história das mulheres sufragistas americanas do início do século XX. A primeira onda do feminismo contemporâneo é caracterizada pela luta pela conquista do voto. Até então, as mulheres americanas não eram consideradas cidadãs, pois não tinham voz no mundo público. É uma oportunidade para quem não tem familiaridade com a temática feminista, sentir mais de perto a dimensão do movimento político e social de difusão internacional que mudou radicalmente a posição das mulheres no ocidente. Há quem pense que os feminismos (são várias correntes de pensamento e vários grupos de mulheres com causas específicas) morreram. Equívoco acentuado e que demonstra o afastamento de muitas pessoas do engajamento social. A luta aguerrida, os embates, as estratégias políticas, a violência sofrida pelos questionamentos feitos pelas mulheres no filme são um retrato bem fiel da realidade experimentada por aquelas que abraçam causas sociais e se tornam ativistas e líderes. Uma parcela de mulheres em todo o mundo continua lutando e participando de movimentos sociais feministas.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Psicologia + Feminismo = Psicologia Feminista

A Psicologia feminista se envolve com o contexto social,  é comprometida com a sua mudança e se apoia numa metodologia com perspectiva feminista. Diferente da psicologia tradicional que se mantém apolítica, nesta modalidade as (os) psicólogas (os) assumem sua opção pela não neutralidade da ciência psicológica. Esta abordagem procura ter uma visão mais compreensiva das mulheres, posicionando-se de forma anti-sexista ao considerar mulheres e homens como pessoas equivalentes com experiências de vida igualmente valoráveis. Contempla a questão da diversidade sexual assim como classe social, raça e etnia. A justiça social e um mundo melhor estão dentro do seu raio de interesse. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Psicoterapia e Bicicleta

O que uma Bicicleta tem a ver com Psicoterapia?


Podemos sim, fazer algumas associações entre o ato de pedalar e o processo psicoterápico. Vamos eleger um primeiro ponto de convergência: a mobilidade. Um deslocamento de bicicleta é uma experiência de interação com o mundo, de reconhecimento dos percursos, das pessoas e do que nos rodeia. Pedalar é uma incursão no movimento que promove a conscientização do nosso corpo, suas dobradiças e pontos de apoio [pés, mãos, ísquios]. Pedalar exige de nós uma certa ousadia para enfrentar a constante alternância entre equilíbrio e desequilíbrio.


A entrada num processo de terapia tem estreita relação com movimento. Uma certa mobilidade psíquica é acionada à medida que a relação terapêutica ganha forma ao longo do processo. Podemos entender a mobilidade psíquica como um estado mental mais fluido, aberto, mutável, flexibilizado. O próprio ato de procurar um profissional já é um início de movimento.  A decisão de buscar uma outra forma de lidar com nossos dilemas, por meio de um auxílio profissional, pode ser compreendido como uma saída de um lugar conhecido e uma disposição [= necessidade] para explorar novas possibilidades. É como se ao engrenarmos no processo de terapia começássemos a destravar nossas palavras, ações, sentimentos e pensamentos e os retirássemos da sua fixidez  a lugares ditos seguros.

Colocamos uma bicicleta em movimento através da propulsão humana. Isto envolve vontade própria. Não tem como pormos este transporte não motorizado em movimento se não for literalmente, pelas próprias pernas. Da mesma forma, um processo de psicoterapia não se desenvolve se não estivermos minimamente motivados e decididos a nos vincularmos a ele, apesar de todos os possíveis temores suscitados pela nova experiência.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Amor?

O filme Amor? do cineasta João Jardim traz vários depoimentos de pessoas, encarnadas pelos atores e atrizes que os representam, sobre suas experiências amorosas. São relatos emocionados e intensos, repletos de descrições de  situações violentas presentes nos relacionamentos. Isto leva o filme a ser intitulado com um ponto interrogação. Será que o que essas pessoas viveram era mesmo amor? Partindo da indagação suscitada pelo filme convido a que façamos algumas reflexões sobre tema tão caro para nós, humanas e humanos.
Na minha experiência como psicoterapeuta, nunca recebi no consultório alguém que trouxesse em sua bagagem de sofrimentos, alguma queixa sobre o amor. É da sua falta, impossibilidade e qualidade precária que as pessoas sofrem. Falam sobretudo da incompreensão, da comunicação falha, da relação ambígua, simbiótica, do ciúme, das incompatibilidades, das traições sofridas ou cometidas, de culpas, de anseios, de paixões, de desencantamentos, de rejeições, de atos violentos, de idealizações, de desconfianças. Todos os amores, maternos, paternos, fraternos, heterossexuais ou homoafetivos podem ser alvo de expectativas frustradas. Passionalidade, frieza, confusão, vinganças, controles excessivos sobre o outro, também compõem as tramas tortuosas do cenário das relações humanas. Na busca pelo amor, especialmente daquele[a] com quem desejamos compor [ou manter] um par, nos desencontramos, inclusive de nós mesmos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Complexos, nós?

Uma parte de mim é todo mundo.
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão.
Outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera.
Outra parte delira.
Uma parte de mim é permanente.
Outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem.
Outra parte linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte.
Que é uma questão de vida e morte.
Será arte?
Ferreira Gullar


O senso comum rapidamente rotula de "louco" aquele, cujo comportamento não compreende ou considera estranho. A diversidade de comportamentos nos leva, por vezes, a ficarmos sem referência. Estamos ora, na mira de críticas, ora somos aqueles que julgam e classificam o comportamento alheio. Assumir uma maneira própria de ser e agir, não deixa de ser arriscada. Seguimos o coletivo, nos destacamos dele? Fazemos o que todos fazem, rompemos paradigmas, questionamos, nos conformamos? Talvez a possibilidade de alternar nossos comportamentos alivie a angústia e nos forneça uma referência que polarize menos. Reflitamos.

Algumas fronteiras norteadoras: família, cultura, sociedade, contexto histórico, classe social. Os seres humanos estão submetidos a uma variada gama de influências que já começam a interferir na sua pessoa, antes mesmo de serem paridos[as]. A realidade social precede a individual. Mulheres e homens, estão circunscritos[as]  em contextos diversos pautados por códigos morais e sociais, particulares de cada cultura e sociedade. Daí o conceito de choque cultural: o que é aceito, incentivado e bem visto numa cultura, não o é necessariamente, noutra.

Família de origem. Cultura de pertencimento. Classe social. Escolarização. Raça/Etnia. Período histórico em que nascemos e nos desenvolvemos. Sexo. Gênero. Cada uma destas categorias nos identificam, rotulam, classificam. Somos uma mescla de todas estas influências em graus diferenciados. Sem mencionar a natureza biológica que nos rege magistralmente. Compomos um ambiente e simultaneamente nos destacamos dele, apossados de nossa individualidade. Podemos afirmar que somos um sistema onde organismo, emoção, intelecto, memória, imaginação e capacidade de simbolizar se interrelacionam. Podemos acrescentar ainda o inconsciente, instância que nos divide em seres com um mundo interno parcialmente conhecido de si próprio. Nestas breves pinceladas sobre o que nos constitui é possível dar uma visão panorâmica, sobre nossa complexidade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A função de continente



A etimologia latina do termo continente, continere = conter, designa uma condição de  disponibilidade na qual o[a] psicoterapeuta se coloca para acolher os conteúdos de seu paciente. Os conteúdos referidos são angústias, necessidades, desejos, demandas que são contidos [recebidos] pelo[a] psicoterapeuta. A ideia de contenção pode ser análoga a do náufrago que avista terra firme. Há um lugar onde se ancorar, não se está mais à deriva. No entanto, cabe aqui uma ressalva quanto ao significado desta analogia. O[a]  psicoterapeuta não está ali para exercer o papel de "salvador"[a] do[a] paciente, embora eventualmente certos pacientes o coloquem neste lugar, não é função do terapeuta ocupá-lo.