terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Psicoterapia e Bicicleta

O que uma Bicicleta tem a ver com Psicoterapia?


Podemos sim, fazer algumas associações entre o ato de pedalar e o processo psicoterápico. Vamos eleger um primeiro ponto de convergência: a mobilidade. Um deslocamento de bicicleta é uma experiência de interação com o mundo, de reconhecimento dos percursos, das pessoas e do que nos rodeia. Pedalar é uma incursão no movimento que promove a conscientização do nosso corpo, suas dobradiças e pontos de apoio [pés, mãos, ísquios]. Pedalar exige de nós uma certa ousadia para enfrentar a constante alternância entre equilíbrio e desequilíbrio.


A entrada num processo de terapia tem estreita relação com movimento. Uma certa mobilidade psíquica é acionada à medida que a relação terapêutica ganha forma ao longo do processo. Podemos entender a mobilidade psíquica como um estado mental mais fluido, aberto, mutável, flexibilizado. O próprio ato de procurar um profissional já é um início de movimento.  A decisão de buscar uma outra forma de lidar com nossos dilemas, por meio de um auxílio profissional, pode ser compreendido como uma saída de um lugar conhecido e uma disposição [= necessidade] para explorar novas possibilidades. É como se ao engrenarmos no processo de terapia começássemos a destravar nossas palavras, ações, sentimentos e pensamentos e os retirássemos da sua fixidez  a lugares ditos seguros.

Colocamos uma bicicleta em movimento através da propulsão humana. Isto envolve vontade própria. Não tem como pormos este transporte não motorizado em movimento se não for literalmente, pelas próprias pernas. Da mesma forma, um processo de psicoterapia não se desenvolve se não estivermos minimamente motivados e decididos a nos vincularmos a ele, apesar de todos os possíveis temores suscitados pela nova experiência.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Amor?

O filme Amor? do cineasta João Jardim traz vários depoimentos de pessoas, encarnadas pelos atores e atrizes que os representam, sobre suas experiências amorosas. São relatos emocionados e intensos, repletos de descrições de  situações violentas presentes nos relacionamentos. Isto leva o filme a ser intitulado com um ponto interrogação. Será que o que essas pessoas viveram era mesmo amor? Partindo da indagação suscitada pelo filme convido a que façamos algumas reflexões sobre tema tão caro para nós, humanas e humanos.
Na minha experiência como psicoterapeuta, nunca recebi no consultório alguém que trouxesse em sua bagagem de sofrimentos, alguma queixa sobre o amor. É da sua falta, impossibilidade e qualidade precária que as pessoas sofrem. Falam sobretudo da incompreensão, da comunicação falha, da relação ambígua, simbiótica, do ciúme, das incompatibilidades, das traições sofridas ou cometidas, de culpas, de anseios, de paixões, de desencantamentos, de rejeições, de atos violentos, de idealizações, de desconfianças. Todos os amores, maternos, paternos, fraternos, heterossexuais ou homoafetivos podem ser alvo de expectativas frustradas. Passionalidade, frieza, confusão, vinganças, controles excessivos sobre o outro, também compõem as tramas tortuosas do cenário das relações humanas. Na busca pelo amor, especialmente daquele[a] com quem desejamos compor [ou manter] um par, nos desencontramos, inclusive de nós mesmos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Complexos, nós?

Uma parte de mim é todo mundo.
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão.
Outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera.
Outra parte delira.
Uma parte de mim é permanente.
Outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem.
Outra parte linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte.
Que é uma questão de vida e morte.
Será arte?
Ferreira Gullar


O senso comum rapidamente rotula de "louco" aquele, cujo comportamento não compreende ou considera estranho. A diversidade de comportamentos nos leva, por vezes, a ficarmos sem referência. Estamos ora, na mira de críticas, ora somos aqueles que julgam e classificam o comportamento alheio. Assumir uma maneira própria de ser e agir, não deixa de ser arriscada. Seguimos o coletivo, nos destacamos dele? Fazemos o que todos fazem, rompemos paradigmas, questionamos, nos conformamos? Talvez a possibilidade de alternar nossos comportamentos alivie a angústia e nos forneça uma referência que polarize menos. Reflitamos.

Algumas fronteiras norteadoras: família, cultura, sociedade, contexto histórico, classe social. Os seres humanos estão submetidos a uma variada gama de influências que já começam a interferir na sua pessoa, antes mesmo de serem paridos[as]. A realidade social precede a individual. Mulheres e homens, estão circunscritos[as]  em contextos diversos pautados por códigos morais e sociais, particulares de cada cultura e sociedade. Daí o conceito de choque cultural: o que é aceito, incentivado e bem visto numa cultura, não o é necessariamente, noutra.

Família de origem. Cultura de pertencimento. Classe social. Escolarização. Raça/Etnia. Período histórico em que nascemos e nos desenvolvemos. Sexo. Gênero. Cada uma destas categorias nos identificam, rotulam, classificam. Somos uma mescla de todas estas influências em graus diferenciados. Sem mencionar a natureza biológica que nos rege magistralmente. Compomos um ambiente e simultaneamente nos destacamos dele, apossados de nossa individualidade. Podemos afirmar que somos um sistema onde organismo, emoção, intelecto, memória, imaginação e capacidade de simbolizar se interrelacionam. Podemos acrescentar ainda o inconsciente, instância que nos divide em seres com um mundo interno parcialmente conhecido de si próprio. Nestas breves pinceladas sobre o que nos constitui é possível dar uma visão panorâmica, sobre nossa complexidade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A função de continente



A etimologia latina do termo continente, continere = conter, designa uma condição de  disponibilidade na qual o[a] psicoterapeuta se coloca para acolher os conteúdos de seu paciente. Os conteúdos referidos são angústias, necessidades, desejos, demandas que são contidos [recebidos] pelo[a] psicoterapeuta. A ideia de contenção pode ser análoga a do náufrago que avista terra firme. Há um lugar onde se ancorar, não se está mais à deriva. No entanto, cabe aqui uma ressalva quanto ao significado desta analogia. O[a]  psicoterapeuta não está ali para exercer o papel de "salvador"[a] do[a] paciente, embora eventualmente certos pacientes o coloquem neste lugar, não é função do terapeuta ocupá-lo.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

THERAPIA THERAPEIA THERAPEUIEN


 Segundo a etimologia, terapia do Latim THERAPIA, do Grego THERAPEIA, do verbo THERAPEUEIN significa tratar, curar. Este termo está bem presente no universo da psicoterapia e na própria palavra. Terapia, terapeuta, vínculo/aliança/relação terapêutica. 

Quando falamos que o cerne da relação entre paciente e psicoterapeuta é terapêutico não estamos nos referindo à cura e nem a tratamento, num sentido mais convencional. Não confundamos com a concepção de cura médica, pois para as dores subjetivas tratadas na clínica psicoterápica, não há medicalização, nem apoio tecnológico que possa substituir a relação terapêutica que é construída a cada sessão, através da mediação da palavra, do diálogo, do uso de recursos que variam de acordo com o embasamento teórico-prático de cada abordagem. É uma relação sobretudo humana onde o psicoterapeuta atua como um tradutor de sentidos das questões trazidas por seu paciente.

Porque humana? É um reconhecimento da alteridade, da existência deste outro que ali está buscando transformar a sua vida emocional que pode estar em crise, de uma maneira geral ou pontual. Ao reconhecer a alteridade e a singularidade daquela pessoa não deixamos de reconhecer também a universalidade do sofrimento humano. Aquele sofrimento, daquela pessoa tem as suas particularidades. Não o banalizamos, nem o massificamos, ou seja não é simplesmente mais uma pessoa com dificuldades emocionais.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Caleidoscópio e a Introspecção


Para que fazer terapia se consigo olhar para dentro de mim sem problemas?
É uma indagação que algumas pessoas já me fizeram. Certamente que conseguir exercitar a introspecção é uma prática necessária a todas [os] nós. Precisamos perceber o que se passa no nosso mundo interno para fazer as devidas interferências. Seja porque ao nos escutarmos, entramos em contato com o que se passa na nossa mente e assim podemos fazer nossas tomadas de decisão. Seja porque podemos nos refugiar no nosso próprio sossego, ou sossegar o que está inquieto. Seja também porque queremos seguir nosso próprio ritmo, pensarmos com mais liberdade e sem testemunhas.  Ou ainda por outras razões quaisquer...
O que acontece é que quando estamos confusos,  ansiosos ou ainda isolados por longos períodos e este estado já se cronificou e não nos traz "boa fortuna" ou nos mantém paralisados de alguma maneira e sentimos que nossa vida estagnou, talvez seja um bom momento de compartilhar com alguém especializado. 

domingo, 5 de fevereiro de 2012

"Não se trata de um luxo, é comprovadamente uma necessidade social" *

A literatura especializada aponta que há mais de 400 abordagens psicoterápicas. A psicoterapia pode ser oferecida a um público bem diversificado também. Podem se beneficiar os casais**, as crianças, as famílias, os grupos em contextos organizacionais públicos e privados, os idosos e qualquer outra pessoa individualmente. Todas as pessoas que estiverem em sofrimento por conflitos emocionais, questões de relacionamento, de discriminação étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de contexto situacional, podem procurar um psicoterapeuta sem receio de serem vistas como  desviantes de uma suposta "normalidade" psíquica.